quinta-feira, 20 de março de 2008

Desastre e êxtase

Diante de um desastre o ser humano congela, sua respiração muda, o suor frio envolve o corpo, a corrente sanguínea é inundada por adrenalina e, o principal, a mente se desconecta da realidade. Talvez seja o sangue ou algum outro atributo físico que torne o modo como enxergamos as coisas tão diferente, tão distante, irreal e ao mesmo tempo repleto de detalhes. A memória é esmagada e adquire a forma das imagens, dos gritos, das sensações que no momento da tragédia parecem tão distantes. Isso se torna ainda mais evidente diante de um desastre de grandes proporções, seja quando a terra se abre e engole casas, pedaços de cidades e pessoas indiferente à vida, aos familiares ou planos de cada um; seja quando as ondas passam por cima de tudo e não deixam nada intocado; seja quando a morte simplesmente desabrocha em centenas de corpos revertendo a ordem e o que deveria ser estável se quebra em pedaços.

Os grandes desastres, que em segundos transformam a vida numa massa de corpos podres, são os que provocam o maior desligamento da mente com a realidade. Os objetos perdem o sentido e valores que lhes damos, se fossemos perguntados, mal saberíamos nomeá-los. Ainda que seja por segundo, átimos, a sensação é de atemporalidade, pois não há mente para perceber o tempo. Esse estado, dizem, vivemos um transe, uma condição única, a qual todos os seres humanos deveriam almejar. É o primeiro passo rumo à epifania dos gregos, o satori do zen, o transe dos xamãs. Ele pode ser atingido não só diante de algo que causa grande impacto, como um desastre, mas por drogas, meditação, técnicas respiratórias, pela repetição de uma pergunta para a qual não há resposta, pela completa loucura. Dizem que existem níveis de desligamento, em um deles seriamos capazes de realizar nossas ações habituais mas nunca sairíamos do estado de completo silêncio da mente.

Quais são, no entanto, os verdadeiros limites da nossa mente? Esse é o enigma que nos persegue desde os primórdios do tempo e até hoje não aceitou nenhuma das respostas que lhe demos.

Por Norman Lance, autor de CONEXÕES

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